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Por Adrualdo Monte Alto Neto

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em decisão publicada hoje[1], que o salário[2] pode ser penhorado para o pagamento de dívida de aluguéis[3]. Mesmo que o primeiro reflexo natural de quem lê seja o de considerar absolutamente justa a decisão, o tema terá grande repercussão, pois a Lei[4] expressamente não permite a penhora dos salários para pagamento de dívidas que não sejam de pensão alimentícia. A decisão tende a ser um marco importante por criar um precedente que, se seguido, facilitará e muito o recebimento dos débitos de locação e dívidas análogas

Aliás, essa decisão mostra uma tendência clara dos nossos tribunais de relativizar a Lei no que for possível, afastando as impenhorabilidades quando o caso permitir, e possibilitar o recebimento de dívidas discutidas em juízo, já que a regra no processo civil brasileiro vinha sendo o “calote”.

Contextualizando, o Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em MAR/2016, perdeu uma oportunidade ímpar de tornar as execuções judiciais mais efetivas no direito brasileiro, mas, “deixando o cavalo passar arreado”, limitou-se a praticamente repetir o que já dizia o código anterior, que era, em resumo, que somente bens supérfluos são passíveis de penhora.

Exemplificando, a Lei considera como não sujeitos a penhora: a casa onde a família reside, sendo o único bem; os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência; os vestuários e os pertences de uso pessoal; os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão; o seguro de vida; a pequena propriedade rural desde que trabalhada pela família; a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos.

E com essas restrições, na prática, só quem paga dívidas judiciais no Brasil são pessoas ricas e grandes empresas. Afinal, como o juiz não pode mandar prender o devedor[5], somente pode, no processo, retirar do patrimônio dele bens suficientes para pagar o credor, respeitadas as restrições legais.

E essas restrições legais são excessivas e “acobertam” mais de 90% da população do país, tornando o processo absolutamente ineficaz.

Afinal, não se pode penhorar a casa própria, o veículo particular[6], os móveis e eletrodomésticos que guarnecem a casa, os pertences pessoais, o salário e a caderneta de poupança, e os utensílios que o devedor usa no seu trabalho, somente sofre penhora, na regra legal vigente, quem possui mais de um imóvel, ou mais de um veículo, ou caderneta de poupança com mais de R$ 35.000,00, ou seja, as pessoas de condição econômica privilegiada, uma elite percentualmente inexpressiva.

E como os maiores usuários dos aluguéis são exatamente as pessoas menos abastadas, que não possuem casa própria, a regra era que o inquilino pagava os aluguéis se quisesse ou se tivesse fiador ou seguro fiança.

Por essa razão, a decisão do STJ comentada neste texto, surge como um sopro de esperança, uma “luz no fim do túnel” pra quem possui crédito de aluguéis e não consegue receber.

Importante observar, contudo, que a Lei não mudou sobre o tema. O que o STJ entendeu foi que a Lei proíbe a penhora de todo o salário, como forma evitar que o devedor pague dívidas com a totalidade dos seus rendimentos, não restando o suficiente para arcar com as despesas suas e de sua família.

Seria, contudo, na visão do STJ, possível a penhora de parte dos vencimentos mensais[7] para o pagamento de dívidas, ponderando e conciliando os direitos do devedor de viver dignamente apesar de estar devendo e do credor de receber o seu crédito.

Nossos tribunais já vinham entendendo como penhorável o “saldo de salário”[8], mas a admissibilidade da penhora mensal de parte dos vencimentos[9] é um passo ainda mais arrojado na direção de tentar ao menos combater o “calote” institucionalizado.

Ainda se trata de uma decisão isolada, mas que vem de uma turma composta por ministros respeitados, criadores de novos entendimentos, “puxadores de fila”[10] e tem uma grande tendência de ser seguida pelas demais turmas e pacificada.

Certo é que, se o entendimento se consolidar, os devedores de aluguéis e parcelas afins terão que começar a se preocupar e não mais poderão, como vinha acontecendo, “ameaçar os credores com a justiça”, o que retirava da sociedade a crença no sistema judiciário. É esperar pra ver.

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[1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.547.561 – SP (2015/0192737-3).

[2] E demais modalidades de vencimento de um trabalhador, tais como soldos, subsídios, comissões, honorários, aposentadorias, pensões e proventos diversos.

[3] E demais acessórios do contrato de locação tais como taxa de condomínio, IPTU, taxa de incêndio, contas de água, luz, gás etc..

[4] Art. 833.  São impenhoráveis:

(…)

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;

[5] Salvo no caso de pensão alimentícia.

[6] Desde que usado para o trabalho.

[7] Na decisão em questão foi aprovada a penhora de 10% dos salários do devedor.

[8] O saldo que sobra na conta na virada do mês, presumindo-se que, se o dinheiro sobrou na conta do devedor ao fim do mês, não é um valor necessário para a subsistência, podendo ser, portanto, penhorado para o pagamento de dívidas.

[9] O chamado “pensionamento”.

[10] Ministros como Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva.

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